quinta-feira, 7 de outubro de 2010

pròtege-moi de mes désirs

Estava de férias, estávamos de férias; era um país numa espécie de ditadura. Não havia liberdade de expressão, e turistas eram particularmente mal-vistos. Qualquer motivo servia para revistarem as malas, para confiscarem as posses, para destruir e esquecer tal existência.
Tínhamos ido à piscina? Estávamos todos de fato de banho, sentados num muro, à espera numa fila. Havia uma mala ou outra pousada, ninguém parecia importar-se, eram apenas toalhas e cremes. Não sei ao certo quem éramos, ele também estava lá. Como sempre.
Entrei numa porta uns metros atrás, levava apenas a minha carteira. Ia em direcção a uma máquina de refrigerantes, não sei porquê, senti que conhecia aquela sala, fazia-me pensar na minha escola antiga, no antigo acesso aos balneários. Enquanto mexia nos trocos, apareceram uns homens. Estavam fardados, militares, atiraram-me ao chão. Bateram-me, remexeram nas minhas coisas, não sei de onde veio a minha mala, mas eles tinham tudo. Os meus cadernos, os meus textos, todas as críticas políticas e apelos à liberdade que eu escrevinhara por mim, tudo era uma ameaça. Com um sorriso, olhavam para mim, troçavam das gotas de sangue que escorriam pela minha cara, pelas minhas pernas, por todas as nódoas negras que me infligiram. E perguntaram "Quem é ele? Qual é o seu nome?". Eu tive medo, porque sabia o quanto de ti revelavam aqueles cadernos.
E disse-lhes. Disse-lhes o teu nome.
Deixaram-me ir, já me tinham magoado o suficiente. Pensei que conseguia correr para ti e que poderíamos fugir, fugir para longe daquele mundo louco, daqueles que te queriam apanhar. Mas menosprezei-os, e quando cheguei ao pé do nosso grupo, ninguém sabia de ti. Ninguém parecia sequer notar o meu estado, ou o meu pânico. Corri para um bar ali perto, sabia que estavas lá. Mas era tarde demais... Eles estavam a carregar-te para fora de uma porta escura, não te aguentavas em pé, as tuas roupas estavam sujas de sangue, a cabeça descaída apenas deixava visível um olho inchado e um lábio quebrado. Largaram-te, e corri para ti. Estavas praticamente inconsciente, mas conseguiste formar um pequeno sorriso ao olhar para mim, "Estou bem."
O pesadelo acabou, mas não consigo fugir da culpa.

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